Painel 13: As lutas pela unificação italiana
Após seus feitos militares na América do Sul, Giuseppe Garibaldi retornou à Itália em 1848 coincidindo com a onda revolucionária que estava ocorrendo na Europa conhecida como “primavera dos povos”. Na Itália, as lutas pela unificação republicana e contra o domínio austríaco reacenderam o que ficou conhecida como a Primeira guerra da independência italiana contra a dominação austríaca, instituída no congresso de Viena em 1815, após a derrota de Napoleão. Logo após sua chegada, Garibaldi levou seus legionários para batalhas contra o domínio austriaco na Lombardia, somando às tropas enviadas pelo Rei da Sardenha, Carlos Alberto. Embora o número das tropas austríacas tenha prevalecido, a bravura de Garibaldi liderando seus legionários logo após sua chegada mostrava a sua força e o peso que teria nas lutas pela unificação italiana. Naquele mesmo ano foi assassinado o ministro da Justiça dos Estados Pontifícios, agravando o clima de instabilidade política em Roma, que teria como resultado a saída do Papa e a instauração da República de Roma pelos revolucionários no Início de 1849. Assim é descrita a impressão do povo ao vê-lo chegar a Roma:
“Este vencedor misterioso, circundado de uma aureola de gloria tão brilhante, que, estranho às discussões da assembleia, e ignorando-as, entrava em Roma na véspera mesmo do dia em que a república ia ser atacada, era, no espírito do povo romano, o único homem capaz de sustentar o decreto de resistência. Por isso, imediatamente se reuniram ao homem que personificava as necessidades instantâneas e que era a esperança de todos”
Por Biagio Miraglia, citado em Memórias de Garibaldi
A República Romana passou a ser liderada por um triunvirato que incluiu Giuseppe Mazzini e elegeu Garibaldi como parlamentar e general. O Papa apelou aos líderes de países católicos que restaurassem a ordem em Roma e, assim, Napoleão III enviou tropas que foram repelidas por Garibaldi e seus leginários. Mazzini divergiu de Garibaldi e buscou uma solução diplomática com os franceses, o que não deu resultados, pois o cerco francês se agravaria com reforços. Anita chegou de surpresa. Acostumada a combater ao lado do marido, ela se juntou a Giuseppe e seus legionários e participou da resistência no Janículo, local onde mais tarde seriam erigidos os monumentos honoríficos. A heroína descreveu a situação nesta carta enviada à irmã:
Roma, em 1º de julho de 1849
“Estou em Roma há cinco dias e receio que tenhamos que deixá-la amanhã, depois das terríveis lutas onde morreram muitos corajosos companheiros... Além disso, saí de Nice sentindo-me pela primeira vez oprimida pela angústia e essa sensação persiste até hoje. Ao beijar as crianças cheguei a me perguntar estupidamente se algum dia voltaria a vê-las! Depois de Ter pedido à "mama" Deideri que cuidasse dos meus filhos com carinho, peguei meu cinturão com a pistola e fui para Gênova, onde esperava obter um empréstimo e embarcar para Livorno....fui, embora tomada por uma profunda depressão, que não passou nem quando cheguei em Roma... passei alguma dificuldade para achar o quartel, que nos últimos tempos tinha mudado de lugar duas ou três vezes. Para chegar até ele tive que atravessar a cidade, que estava suja e caótica como nunca. Além diso as ruas estão cheias de destroços e de gente apavorada com os bombardeios.... Ao chegar abri a porta do salão e vi o José, muito pálido, em pé atrás de uma mesa, rodeado pelos seus oficiais. Todos estavam debruçados sobre um mapa... De repente o José ergueu os olhos e me viu. Do olhar triste e cansado ao clarão da alegria e reconhecimento, passou-se um segundo, o suficiente para que eu entendesse tudo, a sua prostração, a tristeza infinita, a necessidade de um rosto amigo, a felicidade de um homem que, num momento crítico de sua viida, vê uma pessoa que o ama. Ouvi sua voz, rouca mas decidida dizendo: - Senhores, esta é a minha mulher Anita. Temos mais um soldado - Ante que eu tivesse tempo de falar, uma explosão muito próxima fez cair o reboco das paredes, levantando uma nuvem de poeira. Parte da cidade já estava destruída pelo fogo dos canhões que continuavam incessantemente.... A noite fiz um curativo na perna ferida de José... enquanto isso ele ia desabafando, contando as sujeiras que lhe tinham feito, as brigas com Mazzini, a dor de saber que a batalha de Roma não poderia ser ganha, conforme lhe tinha sido ordenado, pois haviam quilômetros de murros expostos aos ataques inimigos... Já fazia tempo que queria levar as tropas para fora de Roma, para organizá-las e surpreender o inimigo. Mas as ordens era de resistir e o único resultado era a morte inútil dos seus homens, amigos e companheiros. Por isso sua tristeza era marcada pela raiva.... De manhã cedinho... caminhei por longo tempo pelas ruas cobertas de detritos. Lembro-me dos escombros sobre os quais se apoiavam os feridos, com as roupas ensanguentadas... Mas o pior foi ontem, quando lutamos o dia inteiro, sobre os muros aurelianos, com uma enorme perda de homens. Que dor eu senti ao ver, de repente, Aguiar morto ao meu lado... o corajoso, leal e doce Aguiar está morto, vítima do fogo francês sobre o Gianículo. Levei pessoalmente a notícia ao José... Mas nem eu nem ele conseguimos conter as lágrimas... A loucura humana, a tirania, o ódio, exploração dos mais fracos parecem não ter fim... "
Anita Garibaldi, “A Mulher do General”, citado em CADORIN 1999
Após heroicas batalhas, Garibaldi e seus legionários, junto com Anita já adoecida e grávida, foram obrigados a deixar Roma. Garibaldi decidiu ir à Veneza lutar na resistência contra os austríacos. Durante a fuga, Anita faleceu na presença de Garibaldi no dia 4 de agosto de 1849, em Mandriole, próximo a Veneza, para onde eles se dirigiam. Apesar dos sacrifícios e esforços militares empreendidos, Garibaldi não foi capaz de livrar Veneza do domínio autríaco e continuou, após esses episódios, a trabalhar e a viajar para diversas partes do mundo, incluíndo EUA. Nesse ínterim, entre 1853 a 1856, a França sob Napoleão III (que poucos anos antes havia feito o cerco contra a República de Roma), passou a ser aliada do Reino da Sardenha na Guerra da Crimeia. Carvour, primeiro-ministro do Reino de Sardenha, agora sob regência de Rei Vitor Emanuel II, soube tirar proveito do pacto de proteção mutua com a França, provocando a Áustria para um conflito bélico com a ajuda francesa. Assim, tiveram início as batalhas que ficaram conhecidas como a Segunda Guerra da Independência Italilana. Em 1857 Garibaldi entrou na guerra liderando os Caçadores dos Alpes. No fim, o Reino de Sardenha anexou o Piemonte, liberando a região do domínio austríaco. Porém, para a frustração de Garibaldi, a sua terra natal, Nice (ou Nizza), passou para domínio Francês.
Em 1860, Garibaldi foi convidado a apoiar uma rebelião na Sicília, no Sul da Itália e levou a cabo mais uma incursão que ficou conhecida como a “Expedição dos Mil”. A partir daí, Garibaldi conquistou Nápoles em 7 de setembro de 1860. Os plebiscitos da Sicília e de Nápoles ratificaram a ligação do Reino das Duas Sicílias à Sardenha. Foi instituído o Reino da Itália sob Victor Emanuel II, porém ainda faltava unificar Vêneto e Roma. Em 1862, Garibaldi continuou realizando ofensivas militares contra austríacos nas regiões não anexadas e também avançou visando Roma, porém, acabou ferido em combate e voltou para Nice. Em 1866 estourou a Terceira Guerra da Independência, uma aliança entre o Reino da Itália e a Prússia, onde o general também teve um papel de destaque. Finalmente, o Vêneto foi anexado em 1866, porém, o mesmo só ocorreu com Roma em 1870. Apesar da vontade e das ofensivas de Garibaldi, que acabou preso novamente, foi apenas na derrota do Império Francês e na rendição de Napoleão III, em 2 de setembro de 1870, que Roma foi anexada. O ato ocorreu em 2 de outubro de 1870 após um plebiscito. Mesmo com a Unificação Italiana, Garibaldi não descansou e passou a lutar em defesa da recém proclamada Terceira República da França, em guerra, contra a Prússia. Ele envolveu, inclusive, seus filhos Ricciotti e Menotti.
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Referências:
CADORIN, Adílcio, Anita a guerreira das repúblicas, IOESC, 1999
MONTANELLI, Indro & NOSSA, Marco. Garibaldi. Milano, Rizzoli Editore, 1962
SCIROCCO, Alfonso. Garibaldi, battaglie, amori, ideali di un cittadino del mondo. Bari, Laterza, 2011